6 de março de 2010

Um Presente Chamado Realidade II

Ao caminhar em direcção dos sanitários, Mafalda sente um arrepio percorrer-lhe o corpo. Sorri para si mesma enquanto recorda aquele momento que não esqueceu. Sente o seu ego subir, um aperto no peito e um desejo incontrolável de aceitar aquele café. Ivo não lhe foi indiferente. Alto, moreno, de postura elegante. Um charme inigualável. Mas não foi a boa aparência de Ivo que atraiu Mafalda. Toda aquela abordagem pairava sobre a sua mente, e interrogava-se do porquê de tanta insistência por parte dele.
Já nos sanitários, Mafalda coloca as mãos debaixo da torneira e quando a água toca a sua pele, rapidamente afasta-se para não retirar a tinta que tatua o contacto de Ivo. Da mala tira uma caneta e no verso do talão das suas compras anota o número. O perfume de Ivo está entranhado na sua mão fazendo uma lavagem rápida e suave apenas para dissipar o excesso de tinta... Enquanto isso, Ivo passeia pelo shopping, leve e descontraído, olhando o telemóvel a cada minuto que passa. De Mafalda nem sinal de vida.
Ivo é confiante, seguro e determinado. Raras são as vezes que duvida disto ou aquilo e talvez por isso leve a sua vida sem grandes complicações... Para ele tudo se reduz à simplicidade quando se quer. Na sua mente vagueia aquele súbito encontro, os olhos de Mafalda nos deles, os cabelos dela no seu rosto, o odor, o toque, o embaraço que foi em redor de um telefone. Não lhe passa mais nada pela cabeça. A ideia de saber o nome daquela mulher perturba-o e com o passar do tempo pensa que Mafalda não estava minimamente interessada.
Mafalda janta com Ricardo serenamente. Encontraram-se no local combinado com algum tempo de atraso, pois toda aquela confusão fê-la demorar um pouco mais... A relação entre ambos é monótona. A rotina a que se entregaram é notória e o comodismo também. Acostumaram-se aquela vida de casal vulgar. Ela arruma a casa, ele joga playstation. As refeições têm horas marcadas e o sexo já não é do melhor... Mafalda sente-se frustrada naquela situação e a sua vontade é seguir a sua vida sozinha. Por sua vez, Ricardo, é louco pela namorada, vive dela e para ela. Ama-la com todas as forças do seu ser e não lhe dá mais porque não pode... mas será que Mafalda quer tudo isso?! Ou quererá ela, tudo aquilo que ele não consegue dar?!...
O jantar corre bem, sem espaço para grandes conversas.Ricardo fala sobre o dia de trabalho, o que aconteceu e o que deixou de acontecer. Mafalda anda longe na imaginação e pouco se importa com o que Ricardo lhe diz...
- Mafalda!!! Mafalda, estás a ouvir-me???
- Hmmm?! Desculpa, estava aqui a pensar num assunto.
- Mais importante que o meu dia de trabalho?!
- Ou tanto como...
- Lá vais tu começar...
- Não Ricardo, não vou, mas responde-me... Por que raio o teu trabalho tem de ser motivo de conversa à hora do jantar??? É assim tão importante??? É trabalho, porra... Vê se vives para além disso.
- Estás tão irritada porquê?
- Porque fazes comparações entre o teu trabalho e algo que eu estou a pensar que não sabes o que é, logo não podes avaliar se é menos importante ou não, percebes? O que pode ser importante para mim, pode não ser para ti e vice versa.
- Eu sempre pensei que o que vivemos diariamente fosse importante.
- Sim, é. Mas trabalho à hora das refeições não... por favor.
- É bom saber o teu ponto de vista... então quando é que podemos falar sobre isso? Quando estivermos a dar uma???
- A dar o quê?! Olha Ricardo, o melhor é pararmos com a conversa...
- Senão o quê?! Largas-me aqui e vais embora sem justificação?! É o que costumas fazer...
Mafalda em tom aborrecido diz a Ricardo para comer e ao pegar no copo para levar à boca avista Ivo nas escadas rolantes. O mundo de Mafalda pára por instantes. Mais uma pausa no jantar sobre o olhar atento de Ricardo. Ivo que conseguiu visualizá-la sorri-lhe timidamente e aponta para a mão em jeito de Mafalda não esquecê-lo. Mafalda suspira, cora e sente-se nervosa... Ricardo apercebe-se que algo aconteceu e quando olha para trás, entre tantas pessoas, Ivo desaparece no acesso ao estacionamento...